Paciente 63
SPOILER ALERT Esse texto contém spoilers
da série completa. Se
você não ouviu, ouça enquanto lê a descrição e teorias de cada episódio.
O que vem depois de Pedro Roiter, o viajante do tempo que causa no novo podcast do Spotify? Um monte de dúvidas! Nos internamos no hospital da Dra. Elisa Amaral para desvendar os detalhes e teorias que costuram a trama original
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Falta de ar, taquicardia e confusão mental. Esses poderiam ser os efeitos colaterais de qualquer remédio vendido sob prescrição médica, mas são apenas alguns dos sintomas inescapáveis provocados pelo podcast “Paciente 63”, produzido pelo Spotify.

Com 10 episódios de até 15 minutos de duração cada, a trama tem a assinatura do escritor chileno Julio Rojas, e traz Seu Jorge e Mel Lisboa nos papéis principais.

O cantor e ator dá vida (ou voz) a Pedro Roiter, um viajante no tempo que volta do ano de 2062 a 2022 com a missão de salvar o mundo de uma cepa mortífera de um vírus pandêmico. Para levar a cabo sua tarefa, porém, o protagonista precisa convencer a médica psiquiatra Elisa Amaral, personagem de Mel, de que sua história é real e não se trata de uma “psicose paranóide”, como indicado nos primeiros diagnósticos da doutora.

A estrada até a verdade, porém, não é retilínea e nós, meros ouvintes, pegamos carona nesse labirinto complexo, cheio de teorias e referências científicas difíceis de entender e explicar – mas nos propusemos a tentar.

Deciframos, a seguir, os detalhes de cada episódio da série (contém muitos Spoilers, obviamente).

EPISÓDIO 1 • A HISTÓRIA COM QUE EU CRESCI

Sem rodeios, mas com um belo “coice”, a história já começa com o som de um gravador sendo ligado, seguido do interrogatório comandado pela doutora Elisa Amaral. Ali somos apresentados ao paciente 63, Pedro Roiter, que foi encontrado nu em via pública e levado ao hospital psiquiátrico em que se encontra.

O personagem de Seu Jorge é primariamente diagnosticado com “psicose paranóide”, também conhecida como “esquizofrenia paranóide” pela comunidade médica. Essa condição foi primeiramente descoberta no século XIX, pelo psiquiatra alemão Dr Emil Kraepelin, diretor clínico na Universidade da Estônia.

Outras grandes obras Hollywoodianas exploram essa mesma condição, como o filme “Uma Mente Brilhante”, lançado em 2001, vencedor de oito Oscars – entre eles o de melhor filme, melhor ator e roteiro adaptado. Na trama biográfica, Russel Crowe interpreta o matemático John Nash, vencedor do Prêmio Nobel, que sofre de delírios de perseguições e precisa aprender a viver com a doença.

Russel Crowe com John Nash

No caso do Paciente 63, o diagnóstico é dado também por delírios e alucinações, já que a médica no comando não acredita nas palavras de Roiter e em sua viagem no tempo - outra temática bastante explorada em filmes e séries. Além do clássico “De Volta Para o Futuro”, de 1985, esse fenômeno também é explorado de forma brilhante no longa “Interestelar” (2014), que explora bem conceitos científicos complexos.

Esse uso contínuo da retórica do tempo em obras artísticas indica nosso fascínio pela possibilidade de avançar ao futuro ou voltar ao passado, algo que a própria NASA afirma ser possível fazer, mas não exatamente como retratado nos contos de ficção.

No portal Space Place, criado pela instituição para simplificar conceitos científicos complexos, a NASA defende que somos todos viajantes no tempo, indo, por exemplo, de um aniversário a outro, no período de um ano. Também defende que o telescópio é uma espécie de máquina do tempo, já que nos permite ver o passado, uma vez que as estrelas e galáxias avistadas pelo instrumento talvez já não existam, e o que “resta” são suas luzes viajando pelo universo.

A agência explica, porém, que é viável experimentar o tempo de outras maneiras. “Há mais de 100 anos, um famoso cientista chamado Albert Einstein apresentou uma ideia de como o tempo funciona”, escreveu a organização. “Essa teoria diz que tempo e espaço estão linkados, e que o universo tem uma velocidade máxima: nada pode viajar mais rápido que luz (299 792 458 metros por segundo)”.

Toda essa explanação não seria – e não foi – suficiente para Pedro Roiter convencer a Dra. Elisa Amaral de sua aventura pelo tempo, mas o personagem de Seu Jorge insiste que esse não é seu objetivo principal. A missão do homem de 39 anos é, simplesmente, evitar que uma mulher embarque num voo a Madrid, na Espanha, dentro de alguns dias.

Essa mulher, segundo ele, seria a paciente zero de um vírus que gradualmente levaria à extinção da humanidade. A caça pelo “paciente zero” é também a sinopse do filme “Contágio”, de 2016, com Matt Damon e Kate Winslet. Outra dica aqui, para nós, fãs de teorias da conspiração.

EPISÓDIO 2 • DE LOREAN

Os papéis se invertem, sem querer, no segundo episódio, com Pedro Roiter conduzindo as perguntas – e a Dra. Elisa “protestando”, claro. O Paciente 63 quer saber se a médica costuma sonhar, e se é comum lembrar dos seus sonhos. As negativas da doutora não convencem a ninguém, e tampouco convenceriam Sigmund Freud, que dizia que os sonhos são uma expressão de conflitos ou desejos reprimidos.

Para a ciência moderna, porém, as pesquisas munidas de PET scans e ressonâncias magnéticas mostram que sonhar é a maneira do cérebro fazer uma espécie de varredura de dados excessivos, consolidar informações importantes e nos manter alertas para o perigo.

No cinema, a temática dos sonhos foi explorada por diversos diretores premiados, entre eles Christopher Nolan, que assinou “A Origem”, filme de de 2010, protagonizado por Leonardo DiCaprio. Com oito estatuetas do Oscar, incluindo o de melhor filme e roteiro original, o thriller ainda hoje intriga quem assiste por não nos contar se a cena final faz parte de um sonho ou de uma realidade.

Num chacoalhão para despertar a conversa para novos rumos, nosso viajante do tempo diz pela primeira vez que faz parte da geração “Entre Pandemias” que cresceu entre “ondas e ondas progressivas”, - geração que se caracteriza pelo uso intenso das telas e por fazer do contato humano um ato de fé, dado os riscos que traz, em uma pandemia, a proximidade a outrem.

É finalmente aqui que a Dra. Elisa questiona o nosso viajante sobre o seu “meio de transporte”. Como afinal, Pedro Roiter conseguiu vir do ano de 2062 para o de 2022? “Pode tirar o DeLorean da equação”, brinca o protagonista, levando os cinéfilos de plantão à loucura. Essa é a primeira e única vez que o personagem faz uma referência direta ao filme “De Volta para o Futuro”, talvez o mais icônico quando falamos de viagem do tempo.

A explicação de Roiter para a sua jornada temporal é bem mais científica. Segundo ele, um conjunto de lasers gera um feixe de luz circulante capaz de entortar o espaço e o tempo, controlando a gravidade. A teoria do personagem soa bastante factível a ouvidos pouco acostumados a termos científicos, mas não há nenhuma pesquisa que sequer indique essa possibilidade. Não acredita? Pois ouça isso de um professor de física.

Agora que deixamos claro que não adianta encher o ventilador de lasers pointers para tentar criar a sua própria máquina do tempo, vamos voltar ao que importa: a narrativa do Paciente 63, que explicou sua viagem e revelou que sua passagem é só de ida.

Na troca argumentativa com a Dra. Elisa, ele deixa escapar ainda que “o pessoal que foi para colônia em Marte não quer mais voltar”. Ou seja, a vida pode até deixar de existir na Terra, mas fora dela, vai continuar. Será que Jeff Bezos, Elon Musk e Richard Branson, os três bilionários que travam uma corrida ao espaço, ouviram esse podcast antes de todos nós? Seja como for, todos os magnatas comandam empresas com ambições espaciais, mas só a Space X, de Musk, assume seus planos de ir a Marte. ​​O fundador da Tesla quer levar pessoas ao planeta vermelho, onde estabeleceria uma cidade autossustentável e faria de Marte uma base para explorar ainda mais o sistema solar.

Enquanto nossos “delírios marcianos” não se concretizam, Pedro Roiter nos puxa de volta ao chão e revela o propósito de sua missão: deter Maria Cristina Borges.

EPISÓDIO 3 • PÉGASO

A lição de casa da Dra. Elisa virou a nossa também. No episódio anterior, Pedro Roiter instrui a médica a imaginar que existe uma versão sua vivendo no passado, outra no presente e mais uma no futuro. Então pede à doutora que deixe a sua versão do futuro dar um conselho, ou uma mensagem, para a Elisa do presente. A comunicação, segundo ele, seria feita através dos sonhos.

Dando aquela conferida básica no Google, a psiquiatra logo manda “essa teoria de uma outra eu do futuro sussurrar respostas em sonhos (...) é uma teoria do doutor Jean Pierre Garnier Malet”.

Embora amplamente conhecida entre a comunidade científica, a teoria não é discutida – pelo menos não com profundidade – nas salas de aula do ensino médio. No futuro de Pedro Roiter, porém, o conceito é assunto escolar básico.
E não adianta querer roubar as respostas da internet, porque o personagem afirma que o mundo digital entra em colapso no que ele chama de a Grande Remoção, data em que todos os servidores, nuvens, dados e buscadores são deletados, extinguindo o nosso conhecimento digital. Essa premissa, do fim do mundo digital, é um dos pesadelos até de quem entende do assunto.

No caso de um apagão geral, no presente ou no futuro, pelo menos temos as bibliotecas para nortear nossos pensamentos, estudos e nos dar abrigo da realidade. Em algumas delas, por exemplo, podemos encontrar histórias em quadrinhos. Provavelmente não HQs clássicos, como o gibi do Batman lançado pela DC Comics em 1940, onde o personagem do Coringa é apresentado. O vilão, que ganhou filme em 2019, em que Joaquin Phoenix deu show de atuação, estampa a tatuagem do nosso Paciente 63.

Engraçado é que, enquanto o personagem vil de Batman foi a arte escolhida por Pedro para ficar em sua pele, na vida ele quer ser herói. É neste episódio que ele explica que o mundo não acaba na explosão de uma bomba, um meteoro ou em uma catástrofe natural (ou alienígena), como previram filmes, livros e séries. Aliás, esse assunto fascina tanta gente que a Wikipedia até consolidou uma lista com as datas de previsões do fim do mundo – nem preciso citar que nenhuma delas se consolidou, né?

Em conversa com a Dra. Eliza, ainda no segundo episódio, o viajante no tempo comenta que, no imaginário popular, todas as hipóteses de fim do mundo têm uma coisa em comum: “são fulminantes”, diz. A realidade de 2062, segundo nosso porta-voz do futuro, é bastante diferente. O mundo acaba com o “desgaste progressivo da espécie”, provocado por conta de uma pandemia, e que a única forma de salvar a humanidade seria interceptar o paciente zero – que, no caso, é a “famosa” Maria Cristina Borges. Essa brasileira daria início à quarta onda da pandemia ao embarcar num voo para Madrid, na Espanha, e se tornar o vórtice de uma cepa fatal, a Pégaso. A única maneira de reescrever a história, segundo Pedro, seria impedindo que ela embarcasse nesse avião.

Humano, demasiadamente humano, Pedro finalmente revela que sua missão heróica não é lá tão altruísta assim. O Paciente 63 perdeu a mulher, o amor de sua vida, para a cepa Pégaso, e sua volta ao passado na tentativa de evitar essa catástrofe era para permitir que sua mulher fosse feliz – mesmo que sem ele. Voltando à teoria do desdobramento do tempo, de Malet, nós só temos consciência de uma linha do tempo, e a de Pedro não poderia voltar ao futuro para ficar com a esposa, de forma que essa missão kamizake, do ponto de vista romântico, era só para permitir que a mulher fosse feliz em uma outra linha do tempo.

Tudo muito bem, tudo muito bom, mas a Dra. Elisa ainda não dá o braço a torcer. Diz que o Youtube está cheio de vídeos de pessoas “malucas” que se dizem viajantes no tempo. Muitas dessas aventuras fazem parte de teorias conspiratórias, o que colabora para a resistência da psiquiatra em acreditar na epopéia heróica do paciente sentado à sua frente. Aliás, o heroísmo de Pedro Roiter está apenas na cabeça dela, já que ele diz que seria ela quem teria de frear Maria Cristina Borges de entrar naquele avião.

EPISÓDIO 4 • EFEITO GARNIER MALET

A Dell Technology foi quem publicou um relatório que cravou que 85% dos empregos de 2030 ainda não foram inventados. Daí faz sentido que não faça sentido a profissão de Pedro Roiter. No jardim do hospital, na enésima gravação, o homem conta à Dra. Elisa Amaral que trabalha com sobreviventes da pandemia em uma comunidade auto sustentável e limpa. "Se chamam círculos sanitários", diz ele. Isso significa que ali não existe nenhuma possibilidade de contágio pelo Pégaso. É tipo a bolha da NBA, só que bem sucedida.

Muito provavelmente, Pedro nem saiba dessa estratégia maluca feita pela Associação Nacional de Basquete Americana, porque a internet as we know it acaba naquele evento apocalíptico d'A Grande Remoção, que, ficamos sabendo agora, acontece porque uma inteligência artificial basicamente se revolta contra a autoridade e deixa de obedecer a qualquer comando. Já vimos isso em Exterminador do Futuro, né?

Programada para acessar todo o tipo de informação para apagar tudo o que era obsoleto e duplicado,
ela entendeu que o conhecimento humano disponível na internet se encaixava em uma dessas duas categorias e simplesmente apagou tudo. Curiosamente, para o físico e pHD em matemática aplicada, Rodrigo Quiroga,
o esquecimento é justamente o que nos torna humano.

O que não podemos esquecer, porém, é que Pedro Roiter está em uma missão, e ele não foi escolhido aleatoriamente. Além de trazer no sangue anticorpos para a cepa letal do vírus, o personagem ainda afirmou se lembrar de "sonhos recorrentes", o que chancelou a escolha junto à comunidade científica da época, que explicou que aquela mensagens recebidas à noite, durante o sono, não era uma fantasia, mas o eco de uma outra linha do tempo (alô, Malet!).

Seja como for, nada ali é coincidência ou obra do acaso. Pedro tomou todas as decisões que os levaram até aquele ponto, inclusive a decisão de responder ao anúncio que ouviu na rádio, procurando por voluntários para uma terapia experimental contra o Pégaso. Soube depois que se tratava de um projeto (complexo!) encabeçado pela OMS.

Para aumentar a chance de sucesso, Roiter voltou ao passado com duas maneiras de salvar o mundo. A primeira seria convencer Maria a ficar, e a segunda seria injetando o plasma de seu sangue na moça, para deixá-la imunizada.

Cada vez mais distante de uma resolução e de outros amigos, o personagem é ainda submetido a tratamentos de eletroconvulsoterapia, que nada tem a ver com eletrochoques e outros abusos há tempos proibidos no Brasil e em diversos outros países.

Neste caso específico trata-se de um procedimento usado para administrar certas condições psiquiátricas. Envolve a passagem de uma corrente elétrica cuidadosamente controlada através do cérebro, que afeta a atividade cerebral e visa aliviar sintomas depressivos e psicóticos graves. A técnica promove uma reorganização do cérebro por meio do equilíbrio e da liberação de neurotransmissores.

Grogue dos remédios e dos procedimentos a qual tem sido submetido, Pedro conta dos sonhos que o levaram até aí. Tudo, segundo a teoria do desdobramento do tempo, seria uma realidade que acontece em outra linha do tempo.

EPISÓDIO 5 • SOPA DE LETRINHA

Às 4h30 da manhã a Dra. Elisa chega ao hospital. "O paciente descompensou, tentou fugir, foi contido, selado e isolado", indica o relatório de Pedro, que foi medicado para além da dosagem recomendada por estar "muito alterado" – palavras da enfermeira, que conta ainda que partiu dele o pedido para chamar a médica.

Amarrado à cama por conta de seu comportamento, o viajante protesta o uso de psicofármacos e avisa que, no futuro, eles estarão proibidos.

Percebendo o desvio do assunto, a médica reconhece o elefante na sala e pergunta da fuga mal sucedida de Pedro, deixando claro que ela se importaria caso algo acontecesse com ele. Surge aqui o primeiro indício amoroso da trama, mesmo a médica dizendo que não se sente atraída pelo paciente.

Na tentativa de se desvencilhar da sessão de eletrochoque, agendada para o dia seguinte, Pedro propõe à Dra. Elisa uma maneira de validar sua história, de mostrar que é mesmo um homem vindo do futuro – uma "prova irrefutável", como ele mesmo diz.

Antes de se comprometer a aceitar cegamente a prova proposta pelo paciente, a Dra. Elisa tira um coelho da cartola e "desmascara", na sua opinião, algumas das provas já apresentadas pelo homem, como o fato de ter sonhado com um cavalo alado – o Pégaso. Para a médica, tudo se trata de uma "indução sub-límbica, uma técnica usada por mágicos".

A Dra. Elisa então explica que trata-se de uma ferramenta de sugestão, em que o interlocutor apresenta uma imagem ou um número teoricamente aleatório, mas que somado a palavras e narrativas vai criando uma impressão na mente de sua audiência.

Frustrado com as inúmeras tentativas da médica em justificar, com teorias e mais teorias, todas as provas que apresenta, o Paciente 63 vira o jogo e propõe que ela diga a ele o que fazer para acreditar em sua história.

Partindo do pressuposto de que o homem acredita que ambos viverão uma relação íntima no futuro, ela diz: "quem sabe eu confiei pra você algo privado; algo que só eu posso saber?".

Pedro, então, revela à médica uma história íntima da mulher com o marido. A julgar pela emoção da médica ao ouvir tamanha coincidência, a prova foi e é mesmo irrefutável.

EPISÓDIO 6 • PROVA DE HISTÓRIA

Sai o eletrochoque, entra o polígrafo – o famoso detector de mentiras. O aparelho é composto por diversos sensores que medem variações físicas do paciente. Um deles é o medidor de pressão, responsável por registrar os batimentos cardíacos e a pressão sanguínea. Já os galvanômetros, colocados nas pontas dos dedos, monitoram a condutividade elétrica da pele, que aumenta quando a pessoa começa a suar. Por fim, temos ainda os indicadores pneumatógrafos, que detectam possíveis alterações na respiração.

Pedro Roiter, devidamente conectado ao polígrafo, responde a cada uma delas. Em uma nos deixa saber que nem tudo são sombras no futuro. Haverá um profundo cuidado com as crianças, e uma forte consciência ecológica. Além disso, conseguimos a tão sonhada igualdade entre homens e mulheres, e deixamos no passado (ou no presente?) o racismo e o nacionalismo.

Mas o caminho até aquele conhecido panfleto religioso não é lá muito bíblico. Em 2023 o mundo tem de lidar com o crash da economia mundial, com o colapso dos mercados e sucessivas revoluções sociais.

O personagem não explica os desdobramentos históricos que levaram à crise econômica, mas o filme A Grande Aposta, de 2015, detalha o passo a passo do colapso das bolsas americanas em 2008 e seus impactos nos Estados Unidos e no mundo.

Já a convulsão social é mais detalhada. Pedro conta que depois da pandemia todos passaram a ficar mais em casa e o uso das redes se intensificou. De forma coletiva, as massas se uniram para formar uma espécie de tribunal online, cujo objetivo era castigar racistas, estupradores, políticos corruptos e todo tipo de gente que tirava vantagem da posição de poder que ocupavam. Depois, o movimento cresceu e passou a julgar também a história, derrubando todo e qualquer símbolo de uma sociedade injusta.

O problema é que essa iniciativa tomou proporções dantescas e, em 2027 ou 28, deu início à Egrégora – "uma espécie de regulador coletivo do comportamento e do pensamento, formado por milhões de opinantes", conta.

Como era de se esperar, a Egrégora virou uma entidade totalitária e sem controle, que passa a perseguir seus opositores. Muito Black Mirror, né? Parece, sobretudo, aquele episódio onde todo mundo tem uma espécie de pontuação online, com notas dadas por outras pessoas, e que afetam, literalmente, cada decisão e oportunidade da sua vida.

Uma série de perseguição tem início, no que pode ser descrito como uma Inquisição Digital. O ápice do terror acontece em 11 de maio de 2030, quando a Egrégora sentencia estudantes clandestinos de zen budismo.

Não é à toa, portanto, que no futuro muita gente "desista" da realidade se mude para um jogo virtual. Pedro explica que a Wánxia é um jogo de imersão onde as pessoas passam a viver, trabalhar e namorar. É um lugar pacífico, onde não existe pobreza ou injustiça. Parece outro episódio de Black Mirror, o San Junipero – nosso predileto!

Enquanto alguns escapam para realidades virtuais, programadas para serem perfeitas, outros preferem ir mais longe e se mudar para Marte. Pedro revela que chegamos a Marte em 2031 e que anos depois descobrimos uma cidade sepultada nas areias do planeta vizinho.

O ano é 2031, Marte!

Não se trata, porém, de extraterrestres. "É um pouco mais complexo que isso", avisa o viajante no tempo. "São nossos ancestrais. A constatação de que não estávamos sozinhos, mesmo já sabendo disso desde os arquivos secretos do Pentágono", relata Pedro.

Segundo essa narrativa, Marte foi o nosso ponto de partida. A civilização por lá ia muito bem até que a vida se tornou inviável e eles vieram para a Terra, uma descoberta que virou a nossa razão do avesso, ainda de acordo com o paciente.

Sozinhos, a Dra. Elisa e o condutor do teste de polígrafo conversam. O profissional avalia que a máquina não registrou alterações, o que indica que o viajante estaria falando a verdade. Fica a cargo da Dra. Elisa levantar a terceira e última possibilidade – a de que toda narrativa do Paciente 63 não é mera ficção.

Intrigado com toda a história que testemunhara ali, Dr. Ernesto, aconselha a médica a abandonar o caso, e julga Pedro perigoso, por achar que ele tem espionado a colega.

EPISÓDIO 7 • JEMMY BUTTON

A fila anda rápido no hospital e depois do Dr. Ernesto, agora é vez da Dra. Elisa submeter seu paciente à avaliação de André Garrido, doutor em física pela USP e pós-doutorado no MIT.

Antes de dar início a mais um interrogatório não-solicitado, Pedro reivindica o nome de Jemmy Button.

A história não soa estranha aos ouvidos de Garrido, mas a moral é diferente do que pensamos. Pedro explica que a expedição imposta a Jemmy Button foi como a experiência de viajar no tempo, uma vez que o homem indígena foi constantemente interrogado e exibido.

O cheiro de tensão no ar se confirma com a investida do físico em descobrir como aquele homem, sem nenhuma formação técnica, teria viajado no tempo. O palpite do pós-doutorando é que, se o relato de Pedro fizer sentido, derrubaria por terra a segunda lei da termodinâmica.

Incerto quanto às motivações do especialista, o viajante no tempo oferece uma explicação irônica e começa a descrever a metodologia utilizada por Marty MacFly e Doc Brown no filme "De Volta para o Futuro".

Frustrada com a narrativa que se desenrola diante de seus olhos, a médica dá aquela fraquejada e diz que, há 12 anos exercendo a profissão, se orgulhava de ter mantido a sanidade e o bom senso, e que ambos começavam a desmoronar. A insistência de Pedro estava surtindo (ou surtando?) efeito.

É agora 28 de outubro de 2022. Maria Cristina Borges embarca para a Espanha no dia 24 de novembro – menos de um mês separam as duas datas. Pedro relembra à médica de que uma amostra de seu sangue foi coletada naquela manhã e que, para salvar o mundo, ela teria de injetar aquele sangue na paciente zero.

Elisa encerra a conversa comunicando ao viajante que pedirá a troca de médicos, e que não se sente apta a dar andamento aquele tratamento.

No conforto de seu lar, a médica tira o jaleco mas não se despe das obrigações. Segue pesquisando sobre teorias conspiratórias e relatos de viajantes no tempo. Sua loucura pessoal é brevemente interrompida pelo alerta do celular: sua mãe lhe deixou uma mensagem, informando que os resultados dos exames da irmã, com quem Elisa não se relaciona há anos, não foram nada positivos.

Para fugir de uma realidade, Elisa se volta à outra e se afunda no trabalho. Fala agora dos casos de John Titor e Hakan Nordkvist, personagens que também diziam ter viajado no tempo, o primeiro seria um soldado americano de 2036, que só se comunicava por fóruns online. O segundo um sueco que teria vindo de 2042 enquanto consertava um lava-louças. Lembra, por fim, de Andrew Carlssin, um investidor americano que disse ter voltado 200 anos no tempo, e que seu conhecimento explicaria a compra de ações de risco que o deixaram milionário. Você pode ler todas essas e outras fábulas semelhantes aqui.

EPISÓDIO 8 • GASPAR MARÍN

Em reunião com o chefe da psiquiatria, Dr. Aldo Rizzolati, Elisa Amaral solicita formalmente a troca na condução do tratamento do Paciente 63. Seu script ensaiado, porém, é interrompido por notícias de Pedro Roiter.

Chamado à sala a convite do Dr. Aldo, o viajante no tempo agora diz que se chama Gaspar Marín, é paulistano e trabalha como escritor de ficção científica. O Paciente 63 diz que tudo não passava de um experimento. Engenheiro formado pela Unicamp, ele conta que a escrita era um hobby, mas que as vendas de seus livros digitais surpreenderam. Parte de um fórum online colaborativo SCP (que existe de verdade, ó), toda aquela encenação teria sido orquestrada pelos envolvidos nessa comunidade virtual. O propósito era testar todos os elementos de uma narrativa a ponto de fazer até uma pessoa cética, acreditar.

Alterada, Dra. Elisa insiste que essa nova versão de Pedro, ou Gaspar, é mentirosa e se recusa a acreditar que todas as conversas que tiveram até ali são fragmentos de uma piada sem graça escrita por amantes da ficção científica em um fórum online.

Com a credibilidade e profissionalismo colocados em xeque, a médica agora oferece um novo diagnóstico ao enigmático paciente: "você é um narcisista; um narciso perverso".

Ainda desconfiada da nova narrativa de Pedro, a doutora o questiona sobre o fato de que suas impressões digitais não correspondem a nenhum registro na base de dados.

O viajante explica que usou etil-cianoacrilato com suco de abacaxi na ponta dos dedos para induzir à adermatoglifia "transitória".

Todo esse quiproquó gerou animosidades de ambas as partes. Embora arrependido, Gaspar e/ou Pedro, porque também estamos confusos, usa essa reviravolta como chantagem para sair dali. Enquanto os médicos dizem que seu comportamento foi fraudulento e criminoso, consumindo recursos públicos, o homem argumenta que os fatos ocorridos ali acabariam com a credibilidade dos profissionais e instituições envolvidos, e que a melhor coisa seria deixá-lo sair impune – e tudo não passaria de um segredo.

EPISÓDIO 9 • ENTRELAÇAMENTO

31 de outubro de 2022 é a data em que a Dra. Elisa Amaral entrega seu pedido de demissão. É o que lhe resta para salvar sua reputação e se esquivar de um inquérito desgastante. Apesar do desligamento com o hospital, ela continua intrinsecamente ligada ao seu último paciente.

A realidade, no final das contas, é outra. A médica se encontra com Gaspar Marín, o verdadeiro. Ele é mesmo um escritor de ficção, mas definitivamente não é o homem que esteve internado ali sob seus cuidados – e fez contato por telefone.

Elisa concorda ir ao encontro de Pedro em uma cafeteria, e dá ao homem 10 minutos de seu tempo. Longe da relação médico-paciente, ele insiste em chamá-la pelo nome do meio, Beatriz – informação que não havia sido compartilhada antes.

Entre um gole de café e outro, ele mais uma vez volta atrás e confirma toda aquela história de viajar no tempo para salvar a humanidade ao impedir que Maria Cristina Borges pegue o voo LATAM 6433, às 17h33.

A encenação final, diante do Dr. Aldo, era a última carta na manga de Pedro para proteger sua missão. Antes de se despedir, Pedro entrega à Elisa um pacote com um gravador e um envelope. "Aqui estão os nomes e os emails dos meus pais, para você escrever pra eles; assim eles vão poder se conhecer", instrui Pedro na carta.

Munida com uma taça de vinho, a médica aperta o play no gravador e ouve a voz do viajante no tempo. Ali ele diz que sua vida tem duas linhas do tempo, a original que se desenrola no futuro, e essa em que a gravação é reproduzida.

"Na linha original, onde a minha mulher morreu infectada pelo Pégaso, eu preciso dizer: você é essa mulher", revela para dar um nó em nossas cabeças e acelerar o coração.

Vocês estão acompanhando? Ela é e não é a mulher dele. "É complicado e ao mesmo tempo simples", continua Pedro, deixando um total de zero pessoas apaziguadas.

Então é chegada a hora de Roiter assumir que não existe a viagem no tempo, mas a passagem de uma linha para outra.

Nessas linhas de tempos paralelas encontramos com as mesmas pessoas, mas em outros papéis – daí a explicação de como médico e paciente em uma realidade, são marido e mulher em outra.

(Pausa para contemplarmos a possibilidade de sermos milionários em várias outras realidades).

Ok, continuemos. No universo original de Pedro, em que Elisa era sua mulher, era ela quem amava um gorro feio, que se perdeu numa viagem à Noruega. Isso significa que todos esses universos têm fios soltos que se conectam, ecoando a narrativa de outras linhas do tempo, com ligeiras modificações.

Para aumentar o volume do nosso desespero, Pedro explica que nossas ações podem desencadear novas narrativas, ou novas linhas do tempo.

EPISÓDIO 10 • PACIENTE ZERO

Com uma foto de Maria Cristina Borges em mãos, a Dra. Elisa ouve atentamente às instruções de Pedro, pelo gravador. A recomendação é que a médica memorize bem o rosto da mulher-alvo e busque uma aproximação amigável. Usando uma agulha curta de insulina, de 6mm, a doutora deve injetar 0,5ml do sangue de Pedro em Maria Cristina. "A Maria não vai sofrer dano algum, o único efeito secundário é que o novo plasma vai destruir temporariamente o seu sistema imune, alterando os linfócitos dela", explica.

A única alternativa à injeção seria evitar o embarque da moça, algo que Pedro diz que pode ser feito com um comprimido de flunitrazepam de 2mg.

Devidamente preparada, a Dra. Elisa Amaral vai ao aeroporto no dia 24 de novembro. Ela percebe que a narrativa apresentada pelo Paciente 63 tem diversas brechas e incongruências.

Enquanto caminha para salvar o mundo, a médica tenta também salvar um pouquinho de si e faz contato com a irmã, que lá atrás soubemos que não anda bem de saúde.

Antes de partir para o aeroporto, a médica resolve mudar mais uma coisa em sua vida – a aparência. Elisa toma a máquina de cortar cabelos nas mãos e raspa a cabeça.

Aqui a narrativa faz uma curva e vai para uma delegacia, onde um oficial dialoga com o delegado sobre o conteúdo gravado por Elisa, que teria desaparecido misteriosamente no dia 25 de novembro, sem deixar nenhuma pista.

Um dia antes de seu sumiço, a médica de 38 anos teria feito uma parada num estúdio de tatuagem e, a julgar pelas fotos em seu celular, é seguro afirmar que ela escolheu asas para sua tatuagem – confirmando, portanto, uma das "previsões" de Pedro.

A história volta para Elisa, que no dia 24 de novembro chega ao aeroporto e senta-se ao lado de Maria Cristina Borges. A médica sequer precisa fazer esforço para puxar assunto, porque a mulher mesmo toma a liberdade de fazê-lo, elogiando a cabeça raspada da sua interlocutora.

Depois de bater um papo informal, Maria Cristina começa a achar o rosto de Elisa familiar, e pergunta se elas já se conheciam antes. "Você ouvir dizer que a gente conhece pessoas porque já conhecia elas de antes? De outra vida?", questiona a paciente zero.

As "coincidências" entre as mulheres continuam quando elas descobrem que estão no mesmo voo. Elisa credita sua viagem à visita da irmã, enquanto Maria Cristina quer visitar uma amiga.

O anúncio do início do embarque no portão B15 ecoa pelos corredores, e a médica mente à nova conhecida dizendo que é diabética. Na tentativa de ajudar Elisa, Maria Cristina vai até o banheiro para que ela possa aplicar a insulina.

Enquanto maneja a injeção e espera pelo momento certo de usá-la em Maria Cristina, a "vítima" diz que a amiga em Madrid é – ou melhor, foi – mais que amiga. A viagem atual tem a ver com solidariedade, uma vez que a "amiga" está com uma leucemia muito agressiva, e que seu sangue é necessário para testar um tratamento novo. "Parece que eu tenho uma anomalia no meu plasma que pode fazer ela se recuperar", diz Maria.

Neste ponto, as duas personagens já descobriram que ambas falavam de Dani, irmã de Elisa.

Aqui entra o dilema moral: a médica tem a chance de aplicar a injeção em Maria e salvar o mundo, mas matar a irmã, ou salvar a irmã e condenar o mundo.

Mais uma curva fechada para a nossa narrativa, que agora segue Elisa em outra linha do tempo, uma em que ela não é uma médica psiquiatra.

Algemada em uma delegacia, Elisa, confusa, pergunta o que aconteceu.

O papo é interrompido pela chegada de Pedro Roiter, que neste universo assume o papel de um médico, invertendo a lógica que viveu com Elisa até então.

Dando início ao seu interrogatório, o ex-Paciente 63, que neste universo é um médico, explica que, quando Elisa foi achada, ela dizia coisas sobre o futuro. "Sobre o futuro? Mas em que ano estamos", questiona a mulher. "2012", ele responde, "hoje é 24 de novembro de 2012"...

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Direção de Arte: Denise Aires

Design Mobile: Tom Calil

Produção: Ana Beatriz Buffolo

Redação/entrevistas: Eloá Orazem

Desenvolvimento: Embed

Direção Geral/Conceito Criativo: Gustavo Giglio